Viver ou sobreviver?

Voltando para a residencia onde me encontrava hospedado em uma de minhas visitas a BH tive a necessidade de utilizar o metrô. Fazia muitos anos que eu não o utilizava. Desde minha época de 2º grau durante alguns anos de trabalho onde diariamente o pegava.

Naquela época  por fazer parte da grande massa de pessoas com deficit em tempo não me  identificava com a participação que tinha no desespero da massa. Quando fazemos parte de uma rotina não reparamos o quanto o tempo é curto para nós e o quando pequenas coisas não fazem a menor diferença.

Sobrevivia.

Digo “sobrevivia” pois como o dia a dia da nossa grande massa de trabalhadores me encontrava apressado correndo de um metrô para o outro, de um ônibus para o outro, sempre em passos largos, afoito, com respiração ofegante, olhando constantemente para o relógio, contando os minutos para sair do ônibus e entrar no metrô. Não olhava pro lado,  apenas olhar fixo no próximo obstáculo. Se aparecesse alguém conhecido do meu lado eu não repararia. Se minha mãe tivesse fazendo jogos pirotécnicos no sinal de trânsito eu não notaria.

Esse ritmo de vida me consumia. Independente do emprego que eu conquistava ou me deparava com a massa populacional em meio a uma maratona rotineira ou me encontrava 2 a 3 horas de trânsito por dia onde a paciência se tornava sua maior virtude tanto pelo aspecto tempo quanto pelo aspecto humano.
Uma das características do parkinson é a lentidão. Não uma lentidão de raciocínio e sim uma lentidão física. Mas é mais acentuada e notória quando estamos sem remédio, chega a dar raiva. Quando estamos em dia com os remédios e exercícios físicos esse sintoma praticamente desaparece. Mas mesmo assim ela está lá e as vezes ela se torna evidente.

Com o tempo aprendi a lidar com isso e como tudo na vida me adaptei. E com a adaptação, o aprendizado. Forçosamente fui aprendendo a fazer as coisas com mais calma e consequentemente aprendi a desfrutar do tempo e das ações da melhor maneira possível e utilizá-lo com qualidade.  Aprendi a dar valor a cada instante da minha vida e tê-la como aliada e não correr contra ela. Aprendi que posso mais que sobreviver.

Vivo

Quando estive  pela última vez no metrô, em uma das passarelas fui atropelado duas vezes. Na primeira vez por uma mulher de sacolas com o filho pequeno que gritava para todos saírem da frente, mas eu absorto em meus pensamentos fui surpreendido com uma sacolada nas costas. Não sei o que ela carregava, mas parecia um toco de madeira porque doeu muito. Tudo isso porque o trem se aproximava. E eu me indagava sobre o tempo de um trem para o outro. Marquei, eram 12 minutos. O desespero era para ganhar 12 minutos. Talvez não seja importante para mim, mas para aquela mulher de sacola com um tronco de árvore na bolsa esses minutos eram importantes.

Comecei a reparar ao redor. “Todas” as pessoas corriam, olhavam pro relógio, balançavam a cabeça negativamente quando encontravam um obstáculo, falavam ao celular, gesticulavam sozinhas, corriam ao avistarem o trem surgindo longe da estação. Alguns comiam enquanto  corriam ou corriam enquanto comiam, outros andavam a passos largos fixos no próximo transporte. E pensar que amanhã tinha tudo isso novamente.

Nesse momento fui surpreendido por uma pisada no meu pé. Era um homem muito bem vestido com o seu terno e sapatos aparentemente novos e pontiagudos. Mas como a aparência não quer dizer nada, também não fez questão de pedir desculpas. Talvez a culpa fosse minha. Talvez eu tivesse na mão errada. Pessoas lentas devem andar na direita. Talvez eu que precisava pedir desculpas, pensei. Comecei a rir sozinho.

Fui atropelado duas vezes mesmo estando quase a passos de bebê de tanta gente que andava junto comigo. Passei para a direita e mesmo assim continuei sendo pressionado. Como assim?????  Me perguntava.  Tinha gente na  minha frente, gente do lado, parede do outro e o carinha atrás ainda tava querendo que eu saísse da frente? O único lugar era ir pra cima. Olhei  pra trás e disse: Me desculpa meu amigo mas voar “ainda” eu não posso. Acho que a piada foi em momento errado. Mas como ainda acho que bom humor não tem momento...

Isso aprendi com o parkinson. A não deixar ser controlado pela rotina, pelo dia dia, pelo tempo, pela mesmice e sim aproveitar cada minuto de nossa vida mesmo que a rotina faça parte dela.


Então eu digo para os parkinsonianos que aproveitem cada minuto. Utilizem a “lentidão” física para acelerar a qualidade de vida. E também digo aos cuidadores: Não percam a paciência com uma possível vagarosidade, pois nós aprendemos a viver ao contrário de muitos que ainda sobrevivem. 

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